Introdução
Os anos 80 do século XX são hoje uma fonte nostálgica igual à que a década de 1950 foi por volta de 1990. Pode ser traçado um paralelo, já que os anos 50 e 80 foram marcadas por géneros musicais perfeitamente identificativos da época em foram criados. Se os anos 50 foram assinalados pelo Rock n’ Roll e pelo Rockabilly, a década de 1980 foi marcada pela musica de dança: Hi-nrg (High Energy), Euro Disco e Italo Disco (1) .
O Italo Disco – Dance Music Made In Italy - foi um estilo musical que nasceu e morreu na década de 1980. Praticamente restrito às pistas de dança europeias, o Italo Disco despertou paixões e ódios, existindo quem afirme que só existe uma única música Italo Disco... o resto são variações dela.
As Raízes do Italo Disco
As raízes do Italo Disco encontram-se na segunda metade da década de 1970, quando o Disco Sound estava no auge da sua popularidade, muita dela conseguida com o filme “Saturday Night Fever”. Mas em finais de 1978, o Disco Sound já estava em declínio e a ceder espaço para a ascensão de géneros musicais que tinham os mesmos grooves repetitivos em 4/4, mas mais intensos.
A machadada final no Disco Sound foi dada por Steve Dahl e Garry Meier, dois locutores da estação radiofónica WLUP, de Chicago (EUA), que a 12 de Julho de 1979, em parceria com os promotores da equipa de Baseball White Sox, realizaram o “Demolition Night at Comiskey Park ” (2). Nessa noite foram queimados cinquenta mil discos de vinil, pois tinha sido anunciado na rádio que cada espectador que levasse um Long Playing ou Maxi-Single de Disco Sound ao estádio teria um desconto na entrada e os discos seriam queimados numa grande fogueira. No final do primeiro jogo, e estimulados pela frase “Disco Sucks” que os locutores insistentemente gritavam através do sistema sonoro do estádio, os cerca de 50 000 espectadores presentes iniciaram uma barbárie que ia desde o simples arremesso de discos a fogueiras feitas nas arquibancadas. Além do saldo de pessoas feridas pelos “discos voadores”, que levou ao cancelamento do segundo jogo da noite, ficou mais uma triste imagem dos exageros da preconceituosa sociedade norte-americana (3). A Europa não experimentou o fenómeno "Disco Sucks", embora o Funk e o Disco Sound tinham tido grande presença na rádio europeia.
Com a alvorada dos anos 80, o Funk, a New Wave e a Hi-nrg tomaram definitivamente o lugar do Disco. À passagem de testemunho nas pistas de dança, não são estranhos os novos sons criados por músicos cujo principal instrumento era um sintetizador. Das cinzas do Disco Sound nasce o hi-nrg - a base do Euro Dance e do Italo Disco.
O Desenvolvimento do Italo Disco
Nos primeiros anos da década de 1980, o músico e produtor Patrick Cowley assinou êxitos das pistas de dança próprios e, também, de Paul Parker e Sylvester. As sonoridades de Giorgio Moroder, os “frios” acordes electrónicos dos Kraftwerk e a batida do Funk estavam presentes na nova música de dança, que, mais uma vez, estava conotada com os movimentos gay da cena underground de Nova Iorque. Também no Canadá o hi-nrg faz pulsar as pistas de dança. Lime e Trans-X são duas bandas canadianas de inicio dos anos oitenta que tiveram um enorme sucesso na Europa.
A par da hi-nrg, os sons da New Wave britânica, do electro-pop e do Funk iam invadindo as pistas de dança europeias, que cada vez existiam em maior número. Dançava-se um pouco de tudo nas discotecas, até, inclusive, um sub-produto musical da Street Culture americana: o Hip-Hop, na altura completamente ligado ao Break-Dance.
Por volta de 1982, o produtor musical norte-americano Jacques Fred Petrus (1949-1986) junta-se a Mauro Malavasi, um jovem músico de Bologna e criaram a editora “Little Macho Music”. Esta dupla está na origem do que seria a principal música de dança dos anos 80. Petrus e Malavasi criaram um novo e distinto som baseado num forte ênfase na melodia. Fred Petrus afirmou em entrevista que "The X-factor in Italian music is having too much melody" (4). Isto tornou-se na mais importante característica do som italiano.
Os registos áudio produzidos para a “Little Macho Música” eram frequentemente caracterizados pelas versões de 12 polegadas (5) em que o lado A continha o tema propriamente dito e uma versão instrumental / Dub no lado B. Era muito comum encontrar um tema com duração superior a sete minutos.
Um projecto italiano fundamentalmente importante foi o “Easy Going” criado por Claudio Simonetti, Giancarlo Meo e Vivien Vee - músicos e produtores italianos de Roma. Claudio Simonetti, filho do conhecido músico italiano Enrico Simonetti, é considerado um dos mais prolíficos músicos italianos. No início da década de 1970 trabalhou com os “Goblin”, uma banda de rock progressivo, mas em 1978, apresentou um projecto musical totalmente Disco com os “Easy Going” e o tema "Baby I Love You" – um 12” cuja capa retrata uma luta Greco-romana entre dois homossexuais nus (apenas com chapéus, cinto, colete de couro e botas). Este projecto estava intimamente ligado à Discoteca “Easy Going”, em Roma. Nos anos seguintes Claudio Simonetti passou produzir artistas como Vivien Vee e Kasso.
Apesar da vertiginosa velocidade de acontecimentos que moldaria a música de dança da década de 1980, a grande fonte de influências musicais do Italo Disco foi a dupla Giorgio Moroder e Pete Belotte que com a sua "galloping bassline" vulgarmente designado de "Four on the floor" criado por um sintetizador Moog, que fez de caixa de ritmos, substituindo o baterista em "Love to love you baby" de Donna Summer. No entanto, foi "From Here To Eternity" - o álbum lançado em 1977, menos funky e mais electrónico - que inspirou muitos futuros músicos do Italo Disco. "From Here To Eternity", foi reinterpretado várias vezes: primeiro em 1983 por Mauro Farina e Hananas (Zanza Label) e mais tarde, em 1988, por Marcello Catalano – Colby.
A revolução gerada nos instrumentos electrónicos ajudou ao desenvolvimento do Italo Disco. Caixas de ritmos e sintetizadores tornaram a produção da música de dança rápida e barata, pois eram necessárias menos pessoas para fazer uma gravação. A ascenção deste género musical deve-se, também, à facilidade com que os Disc Jockeys conseguiam sequencias com uma estética elevada e por sua vez dançáveis, sem quebra de ritmo. Outra razão importante para o rápido desenvolvimento do Italo Disco na Europa foi puramente económica. No início dos anos 80 o dólar americano era negociado em alta contra a Lira italiana, o que tornava as importações caras, pelo que os importadores de discos eram obrigados a reduzir as encomendas dos EUA e reorientar a sua actividade para as produções locais. Integral, Discomagic, IL Discotto e muitas outras editoras, nasceram pela mão dos principais importadores de discos. O mercado europeu foi, então, inundado de produções Italianas, sendo difícil encontrar nas lojas de discos importações dos Estados Unidos. As que existiam eram já êxitos no outro lado do Atlântico.
A Afirmação do Italo Disco
A maior parte dos registro de Italo Disco foram produzidos em estúdio por um único artista – normalmente, um teclista - ou por Disc Jockeys que tinham pouca ou nenhuma habilidade de tocar um instrumento musical. O seu grande atributo era o de conhecer o público que frequentava as pistas de dança. Foi assim que muitos DJs Italianos começaram a experimentar sintetizadores e caixas de ritmos, tocando teclados lentamente, com apenas um dedo e, em seguida, elevando a velocidade em computadores. Muitos foram capazes de ganhar algum dinheiro com produções de baixo custo e produto de rápido consumo. Este novo som era completamente diferente do antigo Disco Sond. Não existiam instrumentos, para alem dos sintetizadores. O Italo Disco foi criado apenas por teclados. A secção rítmica é totalmente electrónica. A voz foi utilizada apenas como um instrumento para completar a melodia. A maioria das canções eram muito simplistas em termos de estrutura, mas todos eles tinham a assinatura italiana - as melodias infecciosas, com cativantes ganchos e sempre em 4 / 4.
O som do Italo Disco era criado em sintetizadores Roland JX-8P, Roland Juno 60/106, Yamaha DX7, ARP Odyssey, Roland TR 808 drum machine, Simmons Drums (electrónica, mas tocada ao vivo), Minimoog, Oberheim, Linndrum, and sampler Emulator II. sampler Emulator II.
A Nova música precisava de um nome e, de preferência cativante. Começou por se chamar “Spaghetti-Dance", dado que a esmagadora maioria das musicas era proveniente de Itália, mas não era muito comercial. Foi Bernhard Mikulski, o falecido fundador da ZYX Records, da Alemanha, que cunhou o termo "Italo Disco" em 1984. O nome foi rapidamente assimilado pelos fãs (que muitas vezes abreviavam para apenas Italo) e era destinada a descrever, talvez, o mais mal entendido e apreciado sub-gênero de música eletrônica dança. O logótipo da ZYX foi decorado com as cores da bandeira italiana. Em apenas quatro anos (1984-1988), A ZYX lançou 13 volumes de "The Best Of Italo Disco" e 10 volumes de "Italo Boot Mix".
O Declínio do Italo Disco
A facilidade com que as criações musicais italianas saíam tinha muito a ver como eram produzidas. Os artistas eram facilmente descartáveis existindo, inclusive nomes como Den Harrow ou Yellow Joe que tiveram três vocalistas diferentes. As etiquetas acreditavam que era muito mais barato promover a música desta maneira: se um artista dava muito trabalho era substituído, pois não havia escassez de talentos musicais na Itália.
Lamentavelmente, as letras desempenharam um papel menor no Italo Disco. Muitos italianos não sabiam inglês Inglês pelo que muitas vezes ouve-se as vozes manipuladas por computador ou por um vocoder com overdubs. Apesar de todas as limitações evidentes do Italo Disco o género tornou-se muito popular na Europa, Rússia, Ásia, e especialmente no Japão.
A popularidade e facilidade de produção do Italo Disco foi sendo copiada, principalmente a partir de 1984, por artistas de outros países como Alemanha, Suécia, Noruega, Holanda, Espanha, França, etc. criando a designação de Euro Disco.
O Italo Disco atingiu o seu ponto mais alto em 1986, mas, nesse mesmo ano, começaria o declínio. Não era difícil prever a vida curta que o Italo Disco teria. Apenas um único registo entrou para o Top 20 dos Estados Unidos: Baltimora com o tema “Tarzan Boy”. O facto de terem vendido bem nos EUA deveu-se a um anúncio da Toyota. Outras tiveram sucesso porque foram adaptadas por artistas americanos, como no caso de “Self Control”, de Raf, e cantado por Laura Branningan.
A saturação do mesmo som – as música Italo pareciam todas iguais – levou a que as sonoridades britânicas voltassem às pistas de dança. As influências eram as mesmas, mas o cuidado com letras melodias e harmonias era maior. Às influências disco, juntava-se as novas que chegavam de Chicago, onde começava a despontar o House e o Tecno.
Conclusão
Após anos de esquecimento, o Italo Disco voltou. Festivais revivalistas, principalmente em Mantova, Itália, com os artistas originais, festas com música dos anos 80, etc. Provam que o Italo Disco sobreviveu ao novo milénio. Mesmo que não se goste, é preciso admitir que tem o seu próprio lugar na história da música de dança.
Bibliografia:
BREWSTER, Bill; BROUGHTON, Frank - Last Night A DJ Saved My Life – The History of the Disc Jockey. New York: Grove Press Books, 2000.
ISBN 0-8021-3688-5
SAPHIRO, Peter - Turn The Beat Around – The Secret History of Disco. New York: Faber & Faber, 2005. ISBN 0-86557-952-6
POSHARDT, Ulf – DJ Culture. London: Quartet Books, 1998. ISBN 0-7043-8098-6
Webgrafia:
http://www.jacquespetrus.com
http://www.euro-flash.net/italo.php
http://pt.wikipedia.org/wiki/Italo_Disco
http://www.italo-disco.net/
(1) - Hi-Nrg, Euro Disco e Italo Disco são, basicamente, o mesmo género musical. As disferenças são geográficas, sendo o Hi-Nrg conotado com a música de dança criada nos Estados Unidos e no Canadá, a Euro Dance com a criada na Europa e o Italo Disco carimba toda a música de dança produzida em Itália ou por músicos italianos.
(2) - O acontecimento ficou conhecido como “Disco Sucks”, nome de uma música dos “Dead On Arrival”, uma banda Punk.
(3) - O Disco-Sound era sinónimo de práticas homossexuais, drogas e de orgulho negro.
(4) - “O factor X da música italiana é ter muita melodia”.
(5) - O Single de 12” (Maxi-Single) nasceu por acidente. Tom Moulton – um produtor reconhecido pelos seus brilhantes remixes - pediu ao engenheiro de som José Rodriguez um disco de referencia de “I’ll Be Holding On” de Al Downing. Ele já não tinha acetatos virgens de sete polegadas, por isso deu-lhe um de doze. Moulton achou ridículo, mas o engenheiro lembrou-se espalhar as espiras, aumentando a gama de frequências e a amplitude. O Single de doze polegadas foi o formato perfeito para os Disc Jockeys.
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