Repertorium

"Blogue de notas" da unidade curricular de Análise de Fonogramas e Eventos da Licenciatura em Música variante Produção e Tecnologias da Música, da Escola Superior de Música e das Artes do Espectáculo, do Instituto Politécnico do Porto. Um Moleskine virtual cujo tema é "O mundo da música e as músicas do mundo". Orientação do Professor Mário Azevedo

sábado, junho 2

O Jazz e a rádio portuguesa -Final

Na década de 1920, Portugal era um país com um atraso em relação ao resto dos países ocidentais. Marcadamente rural, Portugal sofria de instabilidade política e económica, onde apenas nas cidades – principalmente no Porto e em Lisboa – se encontrava alguma dinâmica cultural, mas só acessível a uma parte da população e aos… turistas. Com a melhoria das condições de vida nos países ocidentais, Portugal torna-se num pólo de atracção para estrangeiros endinheirados. O turismo, a indústria fonográfica, a rádio e o cinema apresentam um novo panorama a alguns portugueses.
Dizem as estatísticas que a população portuguesa, no começo do século XX, era de aproximadamente 5 500 000 habitantes e de acordo com antigos e enraizados condicionalismos socioeconómicos, a distribuição da população era muito irregular. A concentração fazia-se junto ao litoral a Norte do rio Tejo em detrimento do interior, onde dominava quase exclusivamente uma agricultura de índole muito rotineira e de que se ocupava também a população infantil - com a falta de escolas fora dos centros urbanos, a frequência escolar era reduzida[1]. Com esta situação nos anos 20, e com 50% da população analfabeta, a Rádio acaba por vir em auxílio das terras que viviam em verdadeiro esquecimento. A Rádio chega onde outros meios de comunicação não chegam e chega a todos que tenham um receptor, sejam eles letrados ou analfabetos. A Rádio tornou-se rapidamente no meio mais económico e rápido de informação e entretenimento.
Na década de 1920, não existia em Portugal uma grande estação de radiodifusão[2]. A rádio portuguesa era constituída por pequenos postos emissores, que trabalhavam de uma forma muito amadora, estando situados nas cidades de Lisboa e Porto. Estas pequenas estações radiofónicas tinham uma programação muito semelhante, que era constituída por música erudita, marchas, música ligeira portuguesa e fado. Algumas já incluíam discos de Jazz na sua programação, mas não iam além dos dois ou três trechos diários, que normalmente pertenciam a Jazz Bands portuguesas que, no fundo, não eram mais do que orquestras de música ligeira ou de dança. O Jazz que se escutava na rádio em Portugal provinha das potentes emissoras estrangeiras. Embora o Jazz tivesse algum espaço na imprensa portuguesa, a esmagadora maioria da população portuguesa não aceitou bem esta nova linguagem musical, pelo que as emissoras radiofónicas também não se sentiam impelidas a divulgar este género musical.
O golpe militar de 28 de Maio de 1926, viria dar lugar ao Estado Novo. Este regime ditatorial que impôs restrições aos direitos e liberdades dos portugueses, entre eles a censura, como forma de controlar os media, e a sua doutrina – Deus pátria e família – não via com bons olhos o Jazz – conotado com a decadência moral. Embora o regime não proibisse nenhum género musical nas emissoras radiofónicas privadas, também não incentivava nada que não estivesse de acordo com a sua linha política. Com esta situação, o Jazz tornou-se segunda escolha nas estações de radiodifusão portuguesas, conseguindo apenas algumas passagens quando algum artista estava de passagem por Portugal. Para a divulgação do Jazz contribuíram os vários Night Clubs de Lisboa, das décadas de 1920 e 1930, que traziam artistas de renome a Portugal, para actuarem nas suas salas, em alternativa às Jazz Bands portuguesas. Sidney Bechet, Claude Hopkins e Joe Hayman, Henry Butler, Willie Lewis e, também, Josefine Baker, cujas apresentações ao som do Jazz causaram furor na sociedade lisboeta. Estas foram algumas das personalidades que actuaram na capital portuguesa.
Durante a Segunda Guerra Mundial, a Voice of America (VOA) e a British Broadcasting Corporation (BBC) tinham programas de Jazz em língua portuguesa. Estes programas continuaram mesmo após o término do conflito, devido ao regime ditatorial vigente em Portugal.
Seria necessário esperar até Novembro de 1945, para que surgisse a primeira rubrica exclusivamente dedicada ao Jazz na rádio portuguesa – o Hot Clube. Este espaço, da autoria de Luiz Villas-Boas – que viria a ser o fundador do Hot Club de Portugal, em 1948 - era transmitido no programa da manhã da Emissora Nacional (EN), onde era apresentado por Artur Agostinho – também ele um apreciador do género - mas, apenas alguns rubricas depois, o programa foi proibido na emissora estatal, passando para o Rádio Clube Português (RCP) - uma emissora privada. O facto de o programa ter sido proibido na EN, deveu-se às orientações de António Ferro - director da EN –onde se lia que o ambiente de bares e dancings e a sua música estavam completamente arredados das programações da EN. No RCP, o programa passou a ser apresentado por Curado Ribeiro e Jaime da Silva Pinto e manteve-se durante naquela emissora durante 24 anos.
Em 1958 surge na Rádio Universidade o programa “O Jazz, esse desconhecido”, da autoria de José Duarte. Este programa durou até ao ano seguinte, altura em que José Duarte começou a apresentar a rubrica “Encontro com o Jazz” na Rádio Renascença (RR). No ano seguinte, José Duarte apresentou, aos microfones da RR, “Isto é o Jazz”. Este programa duraria até 1961.
Após um interregno de cinco anos José Duarte regressa à RR para apresentar “5 minutos de Jazz” - este espaço é o mais antigo programa de Jazz na rádio em Portugal, sendo ainda transmitido através da Antena 1. Até 1975, José Duarte teve a seu cargo vários programas de Jazz na RR e no RCP.
O ano de 1971 foi um marco na história do Jazz em Portugal, já que se realizou o primeiro “Cascais Jazz”. Organizado por Luíz Villas-Boas e pelo fadista João Braga, a primeira edição trouxe a Portugal, entre outros, Miles Davis, Ornette Coleman, Dexter Gordon, Thelonious Monk e Dizzy Gillespie. O festival foi um sucesso, mas foi aproveitado para se criticar o regime e protestar contra a guerra colonial. A Rádio Portugal Livre (emitida em Onda Média a partir da Argélia) noticiou que no evento Charlie Hadden «dedicou um número aos Movimentos de Libertação de Angola e Moçambique. Apesar de falar em inglês, as suas palavras foram traduzidas pelas pessoas que entenderam e a sala quase veio abaixo com os aplausos. No final do espectáculo, ao regressar ao seu camarim, era ali aguardado por agentes da PIDE que o intimaram a deixar imediatamente o País»[3].
Após a revolução de 25 de Abril de 1974, foram nacionalizadas quase todas as estações emissoras portuguesas, o que deu lugar a um movimento de emissoras livres[4], que, à margem da Lei, foram surgindo um pouco por todo o país. Nestas emissoras surgiram inúmeros programas de Jazz que, infelizmente, caíram no esquecimento, mas que serviram para divulgar um género musical que hoje exibe muitas formas: o Jazz.
[1] http://telefonia.no.sapo.pt/born.htm
[2] Só na década de 1930 é que apareceriam as grandes emissoras - Rádio Clube Português, Emissora Nacional e Rádio Renascença. Até esta altura a emissora mais importante foi a CT1AA – Rádio Portugal.
[3] http://blitz.aeiou.pt/gen.pl?p=stories&op=view&fokey=bz.stories/2432
[4] As emissoras livres – ou Rádios Piratas – tiveram início em Portugal no ano de 1977, com a Rádio Juventude, em Odivelas.

2 Comments:

At 18/3/09 16:14, Anonymous Anónimo said...

Achei bastante interessante! Como soube da actuação de Sidney Bechet em Portugal? Que eu saiba, não existe certeza da sua passagem por Portugal(pelo menos nas décadas de 20 e 30)? E dos outros músicos, onde obteve essa informação?

Obrigado!

José Patôrro

 
At 24/4/09 21:53, Blogger Unknown said...

A informação que refere foi retirada do livro "Jazz em Portugal (1920-1956)". É uma obra interessante para quem gosta destas coisas do Jazz.

Um Abraço

Jorge Guimarães Silva

 

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