Repertorium

"Blogue de notas" da unidade curricular de Análise de Fonogramas e Eventos da Licenciatura em Música variante Produção e Tecnologias da Música, da Escola Superior de Música e das Artes do Espectáculo, do Instituto Politécnico do Porto. Um Moleskine virtual cujo tema é "O mundo da música e as músicas do mundo". Orientação do Professor Mário Azevedo

sábado, junho 30

O ano lectivo está a terminar…

…e com ele a disciplina de Análise e Reportório. No entanto, para o ano, o módulo que serviu de base a este blogue, terá outro nome, pelo que a continuação deste espaço está assegurada.

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quinta-feira, junho 7

A música ocidental na Idade Média - Final

As comparações entre músicas de diferentes culturas proporcionam perspectivas esclarecedoras; o que aconteceu com a música ocidental na época das Cruzadas foi fundamental. Não foi nada menos do que a criação da polifonia, música para mais de uma parte ou voz, que levaria inexoravelmente à criação da harmonia e intensificaria a necessidade de um sistema de notação adequado. Talvez essa evolução esteja ligada à necessidade de se fazer ouvir individualmente e não como uma massa, ou à descoberta de que os interiores de pedra das igrejas amplificavam a voz e lhe davam mais ressonância. A mudança começou imperceptivelmente, de início, com as vozes em uníssono na oitava, acomodando diferentes faixas de baixo e tenor, de contralto e soprano. Depois, era acrescentada uma terceira voz, cantando no intervalo de uma quinta acima da voz mais grave. Com certeza isto era mais do que mera conveniência. A harmonia aberta simples tinha uma clareza austera, penetrante, como os harmónicos ressonantes dos monges tibetanos. Não foi tão grande o salto dessa harmonia simples para a ideia de começar em uníssono, separando-se da quarta ou quinta, e voltando a se juntar. E ainda assim o processo levou cerca de duzentos anos. A prática era conhecida como Organum, um termo extraído do latim, significando todo o corpo de recursos para fazer música - instrumentos e vozes. Parece provável que algumas dessas ideias tenham sido extraídas da música popular. De início, o Organum foi uma prática improvisada e o Cantochão ainda era ensinado como uma única linha. Foi precisamente por essa época que houve o cisma da Igreja Católica: a Ortodoxa Oriental, com base em Constantinopla, e a Católica Romana, em Roma. A tendência para a divisão há muito tempo se fazia clara, e quando a separação realmente ocorreu, em 1054, a Igreja Ortodoxa Oriental manteve a prática do Cantochão uníssono.

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terça-feira, junho 5

«Esculpindo a Música…» - Encontros com a arte

A Casa-Museu Teixeira Lopes vai homenagear a violoncelista portuense Guilhermina Suggia - uma das maiores violoncelistas de sempre - dia 15 de Junho, pelas 21h30.
A Casa-Museu Teixeira Lopes é um espaço de sonho íntimo com a arte, a música e a literatura. Pela Casa do Mestre passaram grandes e famosos artistas plásticos, músicos e escritores, que agora oferece aos visitantes os encontros temáticos «Esculpindo a Música…» - um ponto de encontro, de diálogo e de conhecimento com personalidades ilustres da música portuguesa que continuamente nos presenteiam com momentos musicais intemporais, singulares e únicos na Casa-Museu. Guilhermina Suggia é a personalidade a recordar e a homenagear neste primeiro encontro… Teixeira Lopes foi seu padrinho de casamento e grande amigo… Uma violoncelista virtuosa e incontornável! … Jorge Rodrigues, músico e radialista que se consagrou no seu programa Ritornello, na Antena 2, anima o diálogo, sobre a vida e actividade musical de Guilhermina Suggia, com a Senhora D. Madalena Sá e Costa, violoncelista, professora de violoncelo (ex-aluna de Suggia), o escritor Mário Cláudio, autor do livro “Guilhermina” e Delfim Sousa, Director da Casa-Museu Teixeira Lopes. A conversa é ilustrada com trechos musicais de violoncelo tocados por Paulo Gaio Lima, ex-aluno da Profa. Madalena Sá e Costa e actual violoncelo-solo da Orquestra Metropolitana de Lisboa, bem como professor da Academia Nacional Superior de Orquestra.

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segunda-feira, junho 4

A música ocidental na Idade Média - IV

Os Trovadores são grupos de poetas-músicos que floresceu no sul da França, na Provença, no começo do séc. XII. Acredita-se que os trovadores podem ter calcado seus versos líricos em obras de poetas árabes da Espanha e de clássicos romanos como Ovídeo. Tanto a música secular, como os longos poemas épicos do século XI, as canções de gesta (canções sobre feitos de uma pessoa histórica ou lendária), as cantigas das Cruzadas (a partir 1096) e as cantigas dos trovadores parecem todas monodias - composições poéticas sem acompanhamento musical. Não se tem conhecimento de qualquer música para canções de gesta, mas documentos antigos levam a pensar que os versos eram todos cantados no mesmo tom e que alguns tons já poderiam ter existido nas melodias litúrgicas. Por vezes, devem ter sido acompanhadas por algum instrumento. A música, como as mercadorias e novas ideias de todos tipos, percorreu as principais rotas comerciais; mercadorias e maneiras vieram da Itália à França passando pela Alemanha; a música secular dos trovadores foi em direcção oposta, aclimatando-se lentamente aos costumes alemães, assim como percorreu também a rota dos cruzados. A maioria desses poemas celebrava os feitos de Carlos Magno e outros heróis. Muitos estudiosos acreditam que os monges escreveram a maior parte das canções de gesta para glorificar os fundadores dos seus mosteiros. As canções de gesta constituíram um ciclo de poemas, dos quais A Canção de Rolando é o mais famoso. Um segundo grupo de poemas - romances da corte - desenvolveu-se juntamente com as canções de gesta. Tratavam de temas de amor, de magia e cavalaria. Chrétien de Troyes, que escreveu aproximadamente de 1160 a 1190, é o mais conhecido dos autores de romances cortesãos. Ele tentou combinar os ideais guerreiros das canções de gesta com uma nova atitude romântica em relação à mulher. Frequentemente, baseou-se nas lendas do rei Artur. O poema narrativo mais importante da literatura francesa da Idade Média é o Romance da Rosa, uma alegoria em duas partes. Guillaume de Lorris, que viveu no início do séc. XIII, escreveu a primeira parte antes de 1250, e Jean Meung (1250-1305) escreveu a segunda parte provavelmente 50 anos mais tarde. A primeira parte constitui um manual do amor cortesão. A segunda parte ataca os males sociais da época. O Romance da Rosa deu início a um tipo de filosofia moral que reapareceu mais tarde nas obras de Rabelais, Molière e Voltaire.
As canções de amor eram as mais importantes entre as ricas e variadas formas poéticas usadas pelos trovadores. Nelas, o poeta imaginava a dama de seus sonhos como um modelo de virtude, e dedicava seu talento a cantar-lhe as qualidades. O ideal amoroso dos trovadores e o enaltecimento das mulheres influenciaram muitos escritores posteriores, entre os quais Dante e Petrarca.
A literatura romântica criou de um trovador modesto (cuja língua era o provençal, a langue d'oc) e de seu colega, o trouvère (trovador do Norte da França, que compunha em langue d'oeuil), cantando suas trovas acompanhadas por um alaúde ou instrumento semelhante. A evidência histórica não confirma esta ideia. A trova que Ricardo, Coração de Leão, ele próprio um trouvère, compôs no cativeiro em Dürnstein mostra que a Arte de Trovar era uma vocação aristocrática. Um trovador particularmente famoso foi Bernard de Vendadorn, que Eleanor de Aquitânia levou consigo para Inglaterra quando se tornou mulher de Henrique II e mãe de Ricardo, Coração de Leão.
Na Alemanha, por volta de 1180, os trovadores designavam-se a si próprios Minneesänger - ou seja, cantores do amor - mas do amor cortês, separado do amor físico. Suas trovas sobreviveram graças à sua expressão melodiosa (muitas vezes inspirada na dos trovadores). De grande importância para difusão das actividades dos trovadores, sendo ele mesmo um deles, foi Afonso X, O Sábio ou Alfonso, El Sabio, rei de Castela (Toledo 1221 - Sevilha 1284). Foi imperador germânico (1267- 1272). Notável pelo incentivo aos empreendimentos culturais. Escreveu em galaico-português cerca de 30 cantigas inseridas nos cancioneiros da Vaticana e da Biblioteca Nacional; são na maioria, poemas satíricos de conteúdo moral e político. Os quatrocentos e vinte poemas musicados que escreveu, denominados Cantigas de Santa Maria, chegaram-nos em dois códices, um do Escurial e outro de Florença, ambos com belas iluminuras.

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sábado, junho 2

O Jazz e a rádio portuguesa -Final

Na década de 1920, Portugal era um país com um atraso em relação ao resto dos países ocidentais. Marcadamente rural, Portugal sofria de instabilidade política e económica, onde apenas nas cidades – principalmente no Porto e em Lisboa – se encontrava alguma dinâmica cultural, mas só acessível a uma parte da população e aos… turistas. Com a melhoria das condições de vida nos países ocidentais, Portugal torna-se num pólo de atracção para estrangeiros endinheirados. O turismo, a indústria fonográfica, a rádio e o cinema apresentam um novo panorama a alguns portugueses.
Dizem as estatísticas que a população portuguesa, no começo do século XX, era de aproximadamente 5 500 000 habitantes e de acordo com antigos e enraizados condicionalismos socioeconómicos, a distribuição da população era muito irregular. A concentração fazia-se junto ao litoral a Norte do rio Tejo em detrimento do interior, onde dominava quase exclusivamente uma agricultura de índole muito rotineira e de que se ocupava também a população infantil - com a falta de escolas fora dos centros urbanos, a frequência escolar era reduzida[1]. Com esta situação nos anos 20, e com 50% da população analfabeta, a Rádio acaba por vir em auxílio das terras que viviam em verdadeiro esquecimento. A Rádio chega onde outros meios de comunicação não chegam e chega a todos que tenham um receptor, sejam eles letrados ou analfabetos. A Rádio tornou-se rapidamente no meio mais económico e rápido de informação e entretenimento.
Na década de 1920, não existia em Portugal uma grande estação de radiodifusão[2]. A rádio portuguesa era constituída por pequenos postos emissores, que trabalhavam de uma forma muito amadora, estando situados nas cidades de Lisboa e Porto. Estas pequenas estações radiofónicas tinham uma programação muito semelhante, que era constituída por música erudita, marchas, música ligeira portuguesa e fado. Algumas já incluíam discos de Jazz na sua programação, mas não iam além dos dois ou três trechos diários, que normalmente pertenciam a Jazz Bands portuguesas que, no fundo, não eram mais do que orquestras de música ligeira ou de dança. O Jazz que se escutava na rádio em Portugal provinha das potentes emissoras estrangeiras. Embora o Jazz tivesse algum espaço na imprensa portuguesa, a esmagadora maioria da população portuguesa não aceitou bem esta nova linguagem musical, pelo que as emissoras radiofónicas também não se sentiam impelidas a divulgar este género musical.
O golpe militar de 28 de Maio de 1926, viria dar lugar ao Estado Novo. Este regime ditatorial que impôs restrições aos direitos e liberdades dos portugueses, entre eles a censura, como forma de controlar os media, e a sua doutrina – Deus pátria e família – não via com bons olhos o Jazz – conotado com a decadência moral. Embora o regime não proibisse nenhum género musical nas emissoras radiofónicas privadas, também não incentivava nada que não estivesse de acordo com a sua linha política. Com esta situação, o Jazz tornou-se segunda escolha nas estações de radiodifusão portuguesas, conseguindo apenas algumas passagens quando algum artista estava de passagem por Portugal. Para a divulgação do Jazz contribuíram os vários Night Clubs de Lisboa, das décadas de 1920 e 1930, que traziam artistas de renome a Portugal, para actuarem nas suas salas, em alternativa às Jazz Bands portuguesas. Sidney Bechet, Claude Hopkins e Joe Hayman, Henry Butler, Willie Lewis e, também, Josefine Baker, cujas apresentações ao som do Jazz causaram furor na sociedade lisboeta. Estas foram algumas das personalidades que actuaram na capital portuguesa.
Durante a Segunda Guerra Mundial, a Voice of America (VOA) e a British Broadcasting Corporation (BBC) tinham programas de Jazz em língua portuguesa. Estes programas continuaram mesmo após o término do conflito, devido ao regime ditatorial vigente em Portugal.
Seria necessário esperar até Novembro de 1945, para que surgisse a primeira rubrica exclusivamente dedicada ao Jazz na rádio portuguesa – o Hot Clube. Este espaço, da autoria de Luiz Villas-Boas – que viria a ser o fundador do Hot Club de Portugal, em 1948 - era transmitido no programa da manhã da Emissora Nacional (EN), onde era apresentado por Artur Agostinho – também ele um apreciador do género - mas, apenas alguns rubricas depois, o programa foi proibido na emissora estatal, passando para o Rádio Clube Português (RCP) - uma emissora privada. O facto de o programa ter sido proibido na EN, deveu-se às orientações de António Ferro - director da EN –onde se lia que o ambiente de bares e dancings e a sua música estavam completamente arredados das programações da EN. No RCP, o programa passou a ser apresentado por Curado Ribeiro e Jaime da Silva Pinto e manteve-se durante naquela emissora durante 24 anos.
Em 1958 surge na Rádio Universidade o programa “O Jazz, esse desconhecido”, da autoria de José Duarte. Este programa durou até ao ano seguinte, altura em que José Duarte começou a apresentar a rubrica “Encontro com o Jazz” na Rádio Renascença (RR). No ano seguinte, José Duarte apresentou, aos microfones da RR, “Isto é o Jazz”. Este programa duraria até 1961.
Após um interregno de cinco anos José Duarte regressa à RR para apresentar “5 minutos de Jazz” - este espaço é o mais antigo programa de Jazz na rádio em Portugal, sendo ainda transmitido através da Antena 1. Até 1975, José Duarte teve a seu cargo vários programas de Jazz na RR e no RCP.
O ano de 1971 foi um marco na história do Jazz em Portugal, já que se realizou o primeiro “Cascais Jazz”. Organizado por Luíz Villas-Boas e pelo fadista João Braga, a primeira edição trouxe a Portugal, entre outros, Miles Davis, Ornette Coleman, Dexter Gordon, Thelonious Monk e Dizzy Gillespie. O festival foi um sucesso, mas foi aproveitado para se criticar o regime e protestar contra a guerra colonial. A Rádio Portugal Livre (emitida em Onda Média a partir da Argélia) noticiou que no evento Charlie Hadden «dedicou um número aos Movimentos de Libertação de Angola e Moçambique. Apesar de falar em inglês, as suas palavras foram traduzidas pelas pessoas que entenderam e a sala quase veio abaixo com os aplausos. No final do espectáculo, ao regressar ao seu camarim, era ali aguardado por agentes da PIDE que o intimaram a deixar imediatamente o País»[3].
Após a revolução de 25 de Abril de 1974, foram nacionalizadas quase todas as estações emissoras portuguesas, o que deu lugar a um movimento de emissoras livres[4], que, à margem da Lei, foram surgindo um pouco por todo o país. Nestas emissoras surgiram inúmeros programas de Jazz que, infelizmente, caíram no esquecimento, mas que serviram para divulgar um género musical que hoje exibe muitas formas: o Jazz.
[1] http://telefonia.no.sapo.pt/born.htm
[2] Só na década de 1930 é que apareceriam as grandes emissoras - Rádio Clube Português, Emissora Nacional e Rádio Renascença. Até esta altura a emissora mais importante foi a CT1AA – Rádio Portugal.
[3] http://blitz.aeiou.pt/gen.pl?p=stories&op=view&fokey=bz.stories/2432
[4] As emissoras livres – ou Rádios Piratas – tiveram início em Portugal no ano de 1977, com a Rádio Juventude, em Odivelas.