O curso de Tecnologias e Produção da Música (PTM), ministrado na Escola Superior de Música e das Artes do Espectáculo (ESMAE), do Instituto Politécnico do Porto (IPP), promoveu, entre 5 e 9 de Março, mais uma “Semana PTM”, desta vez sob o tema “Ouvir ou não ouvir, um caso de saúde pública?!”. Neste evento estiveram presentes especialistas - nacionais e estrangeiros - de áreas tão diversas como Medicina, Direito, Acústica, Música e Artes do Espectáculo, que apresentaram os seus pontos de vista sobre o assunto, ao que se seguiram debates com uma plateia repleta de estudantes da ESMAE e da Escola Superior de Tecnologia da Saúde do Porto, do curso de Audiologia, e outros interessados no tema.
A “Semana PTM” é uma actividade de carácter científico e cultural, com relevância para a vida académica do curso de Produção e Tecnologias da Música. Aqui são abordadas questões relacionadas com o plano de estudos do Curso procurando desenvolver e sedimentar ligações com a comunidade científica e profissional, além de promover relações e contactos que potenciem futuros trabalhos de investigação-acção nas matérias focadas. Para além dos debates, existiram dois workshops – um com Evert Start, da Duran Audio, e outro com John Watkinson, considerado um dos maiores especialistas mundiais em áudio.
A “Semana PTM” teve início na segunda-feira, 5 de Março, e para a abertura do evento estava prevista a presença do presidente do IPP – Victor Santos – mas que por motivos de força maior não pode comparecer. O encontro teve início com uma breve palestra a cargo da docente Sofia Vieira, que expôs o que iria ser a “Semana PTM”.
O primeiro debate do dia esteve subordinado ao tema “Os Profissionais da Audição”, contando com Cecília Almeida Sousa, otorrinolaringologista; Paula Lopes, audiologista; e Vasco Oliveira, psicólogo; sendo moderador Luís Henrique, docente da ESMAE. Nesta primeira discussão foram relembrados os cuidados a ter com a exposição a elevados níveis de pressão sonora e apresentados malefícios para o sistema auditivo, resultantes da exposição ao ruído excessivo.
A segunda palestra do dia teve como convidado o Doutor Nuno Castelo Branco, do Centro da Performance Humana, que alertou para a exposição crónica ao ruído de baixa frequência (abaixo dos 500 Hz, incluindo os infra-sons), e que pode conduzir ao desenvolvimento da doença vibroacústica (VAD – vibroacoustic disease), uma patologia sistémica caracterizada pela proliferação anormal das matrizes extracelulares. As doenças decorrentes da exposição ao ruído não são reconhecidas pela legislação portuguesa, tendo o Doutor Nuno Castelo Branco afirmado que «é difícil provar um caso de doença profissional provocado pela exposição ao ruído de baixa frequência e obter as indemnizações devidas, precisamente porque estas não são reconhecidas pela Lei».
O segundo dia da “Semana PTM” (terça-feira) teve início às 14h30, com um debate subordinado ao tema “A Legislação Aplicada”, em que foram protagonistas Aida Sousa, audiologista; Manuela de Brito, advogada; e Octávio Inácio, especialista em acústica e docente da ESMAE. Neste certame foram focados temas como o excesso de ruído nas festas académicas, tendo sido mencionada a polémica existente com a queima das fitas no Porto – que se realiza nos terrenos da antiga feira popular – e os moradores das redondezas que se queixam do barulho produzido pelas actividades musicais da queima.
Na quarta-feira, o certame começou de manhã, com Evert Start, que apresentou um sistema sonoro Array, que é um conjunto de colunas que dispersa o som de forma idêntica por um determinado espaço. O sistema apresentado melhora significativamente o original – que remonta à década de 1930 – já que é baseado num programa informático, onde são inseridas coordenadas (largura, altura, comprimento, ângulos, etc.), sendo a dispersão sonora controlada electronicamente. Foi efectuada uma pequena demonstração do sistema, utilizando o equipamento sonoro instalado no auditório.
Da parte da tarde, o assunto em debate girou à volta da exposição ao excesso de ruído, tendo o debate o título de “A Realidade Portuguesa”. Neste colóquio foram intervenientes Luís Henrique, como moderador; A. Oliveira Carvalho, especialista em acústica; Ernesto Costa, especialista em espaços de espectáculos; Rocha Nogueira, médico especialista em saúde pública; e Beat Hohmann, especialista em acústica, cujo contributo foi dado por escrito e apresentado à plateia no ecrã de suporte.
O quarto dia do debate iniciou-se com um workshop de Evert Start sobre o sistema sonoro Array, que tinha sido apresentado no dia anterior, no auditório do Instituto de Contabilidade e Administração do Porto (ISCAP). Aqui, os presentes – na sua maioria alunos do 4.º ano do curso de PTM – puderam experimentar e analisar o sistema sonoro Array proposto pela Duran Audio.
Da parte da tarde mais um debate: “O Caso Particular dos Profissionais de Espectáculos”. Moderado pelo professor Mário Azevedo, docente da ESMAE, o debate teve como convidados António Pinheiro da Silva, especialista em som de espectáculos; Carlos Voss, músico; Miguel Lourtie, especialista em sistemas de som; Telmo Marques, docente da ESMAE, mas presente na qualidade de músico; e Marshall Chasin, audiologista, que não esteve presente fisicamente, mas que também deu o seu contributo por escrito, tal como já tinha acontecido com outro convidado estrangeiro.
A discussão centrou-se no caso da exposição dos músicos ao excesso de ruído, derivado do seu contacto directo com instrumentos musicais capazes de pressões sonoras intensas, que pode vir a provocar perda de audição. António Pinheiro da Silva criticou alguns músicos que exigem que a sua música seja gravada «o mais alto possível», o que acaba por deteriorar significativamente a qualidade áudio, tendo sido apresentada uma representação espectral de uma faixa musical, em que a amplitude da onda sonora não variava mais que uns poucos decibéis.
Por volta das 18 horas teve inicio a sessão oficial de encerramento da “Semana PTM”, onde discursaram Vítor Santos, Presidente do IPP e Francisco Beja, Director da ESMAE. Rui Silva, aluno da ESMAE, concluiu com chave de ouro o certame tocando em Marimba o trecho Variations on japanese children’s songs, da compositora japonesa Keiko Abe. Embora o encerramento oficial já tivesse ocorrido, estava prometido para o dia seguinte um encontro com John Watkinson – especialista em áudio.
Na sexta-feira, o dia foi dedicado inteiramente a encontros com o iconoclasta da indústria do áudio, John Watkinson. Da parte da manhã, o convidado apresentou os seus pontos de vista em relação ao estado do desenvolvimento do áudio. John Watkinson começou por traçar, num quadro, um pequeno esquema onde desenhou uma linha de tempo para explicar que desde o aparecimento do telefone – e, consequentemente, dos microfones - até à década de 1930, a indústria do áudio teve um forte desenvolvimento, tendo estabilizado até à década de 1990, entrando, então, em decadência. Hoje, segundo John Watkinson, as pessoas têm áudio de alta qualidade, mas preferem o áudio comprimido (mp3 e Mini-Discs) em Leitores de Áudio Digital ou através da Internet ou, ainda, escutar rádio digital (DAB - Digital Audio Broadcasting), que, embora possa atingir uma qualidade sonora superior ao do CD (Compact Disc Digital Audio) tem uma qualidade inferior à da Frequência Modulada (FM), devido ao estreitamento da banda áudio por parte dos operadores de radiodifusão, para inclusão de mais estações no mesmo sinal ou mais informação na forma de dados que, em muitos casos, mais não é que publicidade.
John Watkinson criticou fortemente a indústria de Alta-Fidelidade (Hi-Fi), que vende gato por lebre; as revistas da especialidade, que são «hilariantes»; e os audiófilos que gastam centenas ou milhares de euros porque alguém lhes diz que este ou aquele equipamento é a panaceia universal da escuta musical. John Watkinson demonstrou que grande parte da indústria do áudio está assente em mitos. Não há motivo para nostalgias, nem para um regresso ao passado. Discos analógicos e equipamentos a válvulas são peças de museu e apresentou fortes argumentos que demonstram que o digital é melhor que o analógico e que o transístor é mais eficaz que a válvula termiónica.
Para se assistir ao workshop, que decorreu na tarde de sexta-feira, foi necessária marcação prévia, já que a ideia era um encontro informal, com poucos participantes, numa espécie de “mesa redonda”.
Neste encontro, John Watkinson começou por questionar os presentes acerca das suas declarações, proferidas da parte da manhã, e que não são aceites em muitos lugares, mas que ali ninguém o contestou. Após estas afirmações, desenvolveu-se um diálogo entre os participantes que clarificaram as posições do orador em relação ao analógico e ao equipamento a válvulas termiónicas, tendo John Watkinson reafirmado a sua postura em relação aos cabos de transporte de sinal áudio. Porquê gastar milhares de euros num cabo com poucos centímetros - que só serve para permitir a passagem de um sinal eléctrico - e que só terá perdas se tiver um comprimento apreciável. As colunas de som também foram alvo de críticas, pois, normalmente, têm forma quadrada ou rectangular, porque dá jeito para transporte e armazenamento ou porque é a forma a que o consumidor está habituado, não porque seja a forma ideal para colunas de som, que seria arredondada e que permitiria uma melhor dispersão sonora. O tempo passou depressa pelo que no final do workshop, muitos dos participantes gostariam de continuar a conversa com John Watkinson.
Ainda durante a “Semana PTM”, a empresa “GAES – Centros Auditivos” fez rastreios auditivos gratuitos, nas instalações da ESMAE, aos participantes interessados em saber o estado da sua audição.