O Futuro da Música
É difícil dizer, com um mínimo de probabilidades de acertar, qual o futuro da música depois da vertiginosa série de alterações estéticas e técnicas que foram sucedendo ao longo dos tempos, com especial ênfase para o século XX. A especulação é grande, mas o lado estético parece ser uma preocupação menor, face à importância dada aos aspectos económicos e técnicos.
No mundo da música erudita, o compositor do futuro debater-se-á com problemas de toda a ordem, mas muito mais difíceis que aqueles com que se depararam os seus antecessores. No entanto, serão estes problemas que o irão obrigar a adquirir uma formação profissional sólida, seja qual for o material sonoro ou organização formal escolhida. Simultaneamente, deverá optar por uma orientação estética que lhe permita conciliar a sua intenção com as possibilidades musicais do momento. Neste aspecto, tudo indica que durante algum tempo a técnica prevalecerá sobre a estética. Outro aspecto que o compositor do futuro não poderá esquecer é o de escrever em função de um dos fenómenos mais actuais, o dos meios de comunicação de massa, renunciando a escrever dentro de um gettho que prescinde do ouvinte e cultiva uma linguagem esotérica. Neste caso, é interessante observar que obras de compositores como Karl Heinz Stokhausen e Iannis Xenakis causam grande impacto em públicos não preparados tecnicamente.
Uma incógnita que poderá resolver-se de um dia para o outro é a influência da música não europeia, em especial da asiática e da africana, cada vez melhor conhecidas pelos compositores ocidentais graças a documentos sonoros gravados em condições insuperáveis e com critério científico. O aprofundamento das músicas exóticas e dos povos primitivos pode ajudar a música ocidental a encontrar uma linguagem colectiva perdida há largo tempo. Não deverá ser ignorada a possível influência que outras correntes musicais, como, por exemplo, a música folk, o pop ou o Rock, deverá ter pela sua impregnação na geração de onde irão sair os novos compositores. Outras tendências que parece não terem esgotado as suas possibilidades são a chamada música aberta, baseada na delegação parcial do compositor no interprete, e o teatro musical. Este continua a apresentar aos jovens criadores um campo cheio de perspectivas capaz de voltar a aproximar a obra musical da vida quotidiana.
As novas técnicas, preocupadas com a classificação, codificação e manipulação dos sons, oferecem ao compositor um enriquecimento de vocabulário, não devendo o fantasma da desumanização assustar, com a ideia de que deixará de ser perceptível o criador de uma obra de arte. O músico do futuro continuará a servir-se da sua imaginação e não colocará de parte o lirismo capaz de exprimir a sua verdade interior, que é perfeitamente compatível com as buscas científicas e com as aplicações da tecnologia. O computador e os aparelhos electro-acústicos não se limitarão a ser uma arte auxiliar ao serviço do homem, mas poderão prolongar a sua acção.
Alguns compositores já iniciaram o caminho que, tudo indica, terá continuidade no futuro próximo: modificar as relações entre o compositor, o interprete e o público, com o fim de conseguir uma certa reciprocidade entre as suas funções. Até há pouco, em alguns aspectos, os papeis mantinham-se excessivamente diferenciados. È importante não esquecer que, em épocas recuadas, compositor e interprete eram sempre a mesma pessoa. O aperfeiçoamento da escrita musical permitiu desdobrar a função do compositor e do interprete: um músico que não fosse o compositor podia transformar a obra escrita em sons musicais. Esta diversificação de funções começou a ser revista e fez nascer a ideia de voltar a reuni-las de alguma forma.
Outra via possível para a música do futuro próximo será a de comunicar uma atmosfera a um grupo de pessoas reunidas por um gosto ou causa comum, que embora aconteça desde sempre, poderá, no futuro, ser mais incisiva neste plano. Esta nova manifestação de compromisso musical procurará as novas formas de divulgação, como a Internet, com a criação de obras comprometidas politicamente com modalidades que favorecem a procura de soluções concretas para a realidade que nos envolve, desdenhando os alinhamentos dos media tradicionais. Neste aspecto, talvez se assista a uma revalorização da música, já que é possível que a música do futuro se manifeste não só à margem do concerto tradicional, mas também prescindindo de certo modo do factor tempo. Graças aos meios electrónicos, poderão criar-se âmbitos musicais que permaneçam activos continuamente, durante dias e semanas. O ouvinte poderá entrar e sair no momento em que quiser.
A composição musical está condicionada pela tecnologia. Até ao século XIX, era a tecnologia inerente à construção de instrumentos musicais que trazia mais ou menos liberdade à composição musical, mas 18 de Agosto de 1877, Thomas Edison, com a invenção do Fonógrafo, deu à humanidade a primeira possibilidade de registar sons de um momento e escutá-los noutra altura e noutro local, sempre que desejasse. Com esta invenção, os compositores compreenderam que uma actuação ao vivo já não era efémera – podia ser registada e reproduzida mais tarde noutro lugar.
A 24 de Dezembro de 1906, nasceu o medium que mais contribuiria para a divulgação musical no século XX: a Radiodifusão. O cientista canadiano Reginald Aubrey Fessenden constrói um transmissor e difunde o que é considerado o primeiro programa de rádio. Mais uma vez os compositores tiveram de levar em consideração o novo meio de comunicação de massas. Paralelamente, a tecnologia da gravação e reprodução sonora continuava a evoluir e a contribuir para a emergência da indústria fonográfica.
A televisão seria apresentada em Inglaterra, em 1925, pela mão de John Logie Baird. A partir da década de 1950, dominaria o mundo dos media e levava a divulgação musical ao patamar seguinte com a transmissão audiovisual de concertos ao vivo e gravados.
Os compositores do século XX tiveram de lidar com a indústria fonográfica, sendo muitas vezes condicionados por ela nas suas criações. Na primeira metade do século eram os fabricantes de equipamentos e a indústria radiofónica que controlava o mercado das gravações musicais, mas a partir da segunda metade já o cenário estava a mudar, com uma indústria fonográfica todo-poderosa a ditar os passos a seguir.
Nas últimas décadas do século XX, a televisão era o medium que mais domínio exercia no lares e que detinha a maior fatia de divulgação musical, mas este domínio começou, lentamente, a ser substituído pela Internet e pelas suas praticamente ilimitadas potencialidades, não só no campo da divulgação musical, mas também no da criação.
O papel da Internet no futuro da música é incontestável e merece atenção. Neste momento em que a música enfrenta várias crises ao mesmo tempo: a falta de espaço para os novos talentos, a crise da indústria fonográfica, as listas de difusão das radios, o fraco ou mesmo inexistente financiamento de actividades culturais por parte de entidades governamentais, torna o próprio destino da música incerto.
Seja qual for o futuro da música, é de desejar que encontre meios e lugares para viver a sua apaixonante aventura, em toda a sua plenitude, até atingir uma verdadeira influência na vida humana e realizar o proposto por Iannis Xenakis: “ A música de amanhã, a proceder a uma reestruturação inédita, particular do espaço e do tempo, poderia converter-se numa ferramenta de transformação do homem ao influir sobre a sua estrutura mental”.
Bibliografia:
KUSEK, David; LEONHARD, Gerd - The Future of Music: Manifesto for the Digital Music Revolution. Boston: Berklee Press, 2005. ISBN 0-87639-059-9
PERPÉTUO, Irineu Franco; SILVEIRA, Sergio Amadeu (orgs.)- O Futuro da Música Depois da Morte do CD. São Paulo: 2009, Momento Editorial. ISBN 978-85-620-01-2
Webgrafia:
O Futuro da Música
http://www.futurodamusica.com.br
Future of music Book
http://www.futureofmusicbook.com/
Future of Music Coalition
http://www.futureofmusic.org/
Ram Samudrala (The Future of Music) http://www.ram.org/ramblings/philosophy/fmp/music_future.html
IEEE Spectrum Online
http://www.spectrum.ieee.org/aug07/5429
New York Times
http://freakonomics.blogs.nytimes.com/2007/09/20/whats-the-future-of-the-music-industry-a-freakonomics-quorum/
Rolling Stone
http://www.rollingstone.com/news/story/17168362/the_future_of_music
Daily Telegraph
http://www.telegraph.co.uk/scienceandtechnology/technology/technologynews/5126772/Is-free-the-future-of-music.html
No mundo da música erudita, o compositor do futuro debater-se-á com problemas de toda a ordem, mas muito mais difíceis que aqueles com que se depararam os seus antecessores. No entanto, serão estes problemas que o irão obrigar a adquirir uma formação profissional sólida, seja qual for o material sonoro ou organização formal escolhida. Simultaneamente, deverá optar por uma orientação estética que lhe permita conciliar a sua intenção com as possibilidades musicais do momento. Neste aspecto, tudo indica que durante algum tempo a técnica prevalecerá sobre a estética. Outro aspecto que o compositor do futuro não poderá esquecer é o de escrever em função de um dos fenómenos mais actuais, o dos meios de comunicação de massa, renunciando a escrever dentro de um gettho que prescinde do ouvinte e cultiva uma linguagem esotérica. Neste caso, é interessante observar que obras de compositores como Karl Heinz Stokhausen e Iannis Xenakis causam grande impacto em públicos não preparados tecnicamente.
Uma incógnita que poderá resolver-se de um dia para o outro é a influência da música não europeia, em especial da asiática e da africana, cada vez melhor conhecidas pelos compositores ocidentais graças a documentos sonoros gravados em condições insuperáveis e com critério científico. O aprofundamento das músicas exóticas e dos povos primitivos pode ajudar a música ocidental a encontrar uma linguagem colectiva perdida há largo tempo. Não deverá ser ignorada a possível influência que outras correntes musicais, como, por exemplo, a música folk, o pop ou o Rock, deverá ter pela sua impregnação na geração de onde irão sair os novos compositores. Outras tendências que parece não terem esgotado as suas possibilidades são a chamada música aberta, baseada na delegação parcial do compositor no interprete, e o teatro musical. Este continua a apresentar aos jovens criadores um campo cheio de perspectivas capaz de voltar a aproximar a obra musical da vida quotidiana.
As novas técnicas, preocupadas com a classificação, codificação e manipulação dos sons, oferecem ao compositor um enriquecimento de vocabulário, não devendo o fantasma da desumanização assustar, com a ideia de que deixará de ser perceptível o criador de uma obra de arte. O músico do futuro continuará a servir-se da sua imaginação e não colocará de parte o lirismo capaz de exprimir a sua verdade interior, que é perfeitamente compatível com as buscas científicas e com as aplicações da tecnologia. O computador e os aparelhos electro-acústicos não se limitarão a ser uma arte auxiliar ao serviço do homem, mas poderão prolongar a sua acção.
Alguns compositores já iniciaram o caminho que, tudo indica, terá continuidade no futuro próximo: modificar as relações entre o compositor, o interprete e o público, com o fim de conseguir uma certa reciprocidade entre as suas funções. Até há pouco, em alguns aspectos, os papeis mantinham-se excessivamente diferenciados. È importante não esquecer que, em épocas recuadas, compositor e interprete eram sempre a mesma pessoa. O aperfeiçoamento da escrita musical permitiu desdobrar a função do compositor e do interprete: um músico que não fosse o compositor podia transformar a obra escrita em sons musicais. Esta diversificação de funções começou a ser revista e fez nascer a ideia de voltar a reuni-las de alguma forma.
Outra via possível para a música do futuro próximo será a de comunicar uma atmosfera a um grupo de pessoas reunidas por um gosto ou causa comum, que embora aconteça desde sempre, poderá, no futuro, ser mais incisiva neste plano. Esta nova manifestação de compromisso musical procurará as novas formas de divulgação, como a Internet, com a criação de obras comprometidas politicamente com modalidades que favorecem a procura de soluções concretas para a realidade que nos envolve, desdenhando os alinhamentos dos media tradicionais. Neste aspecto, talvez se assista a uma revalorização da música, já que é possível que a música do futuro se manifeste não só à margem do concerto tradicional, mas também prescindindo de certo modo do factor tempo. Graças aos meios electrónicos, poderão criar-se âmbitos musicais que permaneçam activos continuamente, durante dias e semanas. O ouvinte poderá entrar e sair no momento em que quiser.
A composição musical está condicionada pela tecnologia. Até ao século XIX, era a tecnologia inerente à construção de instrumentos musicais que trazia mais ou menos liberdade à composição musical, mas 18 de Agosto de 1877, Thomas Edison, com a invenção do Fonógrafo, deu à humanidade a primeira possibilidade de registar sons de um momento e escutá-los noutra altura e noutro local, sempre que desejasse. Com esta invenção, os compositores compreenderam que uma actuação ao vivo já não era efémera – podia ser registada e reproduzida mais tarde noutro lugar.
A 24 de Dezembro de 1906, nasceu o medium que mais contribuiria para a divulgação musical no século XX: a Radiodifusão. O cientista canadiano Reginald Aubrey Fessenden constrói um transmissor e difunde o que é considerado o primeiro programa de rádio. Mais uma vez os compositores tiveram de levar em consideração o novo meio de comunicação de massas. Paralelamente, a tecnologia da gravação e reprodução sonora continuava a evoluir e a contribuir para a emergência da indústria fonográfica.
A televisão seria apresentada em Inglaterra, em 1925, pela mão de John Logie Baird. A partir da década de 1950, dominaria o mundo dos media e levava a divulgação musical ao patamar seguinte com a transmissão audiovisual de concertos ao vivo e gravados.
Os compositores do século XX tiveram de lidar com a indústria fonográfica, sendo muitas vezes condicionados por ela nas suas criações. Na primeira metade do século eram os fabricantes de equipamentos e a indústria radiofónica que controlava o mercado das gravações musicais, mas a partir da segunda metade já o cenário estava a mudar, com uma indústria fonográfica todo-poderosa a ditar os passos a seguir.
Nas últimas décadas do século XX, a televisão era o medium que mais domínio exercia no lares e que detinha a maior fatia de divulgação musical, mas este domínio começou, lentamente, a ser substituído pela Internet e pelas suas praticamente ilimitadas potencialidades, não só no campo da divulgação musical, mas também no da criação.
O papel da Internet no futuro da música é incontestável e merece atenção. Neste momento em que a música enfrenta várias crises ao mesmo tempo: a falta de espaço para os novos talentos, a crise da indústria fonográfica, as listas de difusão das radios, o fraco ou mesmo inexistente financiamento de actividades culturais por parte de entidades governamentais, torna o próprio destino da música incerto.
Seja qual for o futuro da música, é de desejar que encontre meios e lugares para viver a sua apaixonante aventura, em toda a sua plenitude, até atingir uma verdadeira influência na vida humana e realizar o proposto por Iannis Xenakis: “ A música de amanhã, a proceder a uma reestruturação inédita, particular do espaço e do tempo, poderia converter-se numa ferramenta de transformação do homem ao influir sobre a sua estrutura mental”.
Bibliografia:
KUSEK, David; LEONHARD, Gerd - The Future of Music: Manifesto for the Digital Music Revolution. Boston: Berklee Press, 2005. ISBN 0-87639-059-9
PERPÉTUO, Irineu Franco; SILVEIRA, Sergio Amadeu (orgs.)- O Futuro da Música Depois da Morte do CD. São Paulo: 2009, Momento Editorial. ISBN 978-85-620-01-2
Webgrafia:
O Futuro da Música
http://www.futurodamusica.com.br
Future of music Book
http://www.futureofmusicbook.com/
Future of Music Coalition
http://www.futureofmusic.org/
Ram Samudrala (The Future of Music) http://www.ram.org/ramblings/philosophy/fmp/music_future.html
IEEE Spectrum Online
http://www.spectrum.ieee.org/aug07/5429
New York Times
http://freakonomics.blogs.nytimes.com/2007/09/20/whats-the-future-of-the-music-industry-a-freakonomics-quorum/
Rolling Stone
http://www.rollingstone.com/news/story/17168362/the_future_of_music
Daily Telegraph
http://www.telegraph.co.uk/scienceandtechnology/technology/technologynews/5126772/Is-free-the-future-of-music.html
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